Ainda restava um pouquinho de “noite”, a luz ainda era a
artificial. Não olhei ao relógio, mas sabia que era cedo para levantar-me, pois
sentia sono ainda, então porque acordara? Concentrando-me no silêncio, ouvi uma
música suave que sem pedir licença foi tomando conta das minhas emoções. Do
outro lado da rua, dedos delicados, dedilhavam as cordas de uma harpa que
sensualmente, acomodava-se ao corpo de um solitário melómano. A combinação de
notas parecia sussurrar ao meu romântico coração, palavras cheias de emoções e
com uma cifra perfeita pedia para eu fechar os olhos e seguir o ritmo, com
passos delicados e lentos, soltar o corpo e me deixar levitar, sentindo,
ouvindo, dançando ... Desenhando uma
pista de dança, combinando os passos entre uma
colcheia e outra, despindo-se
da vergonha, os movimentos vão seguindo-se perfeitos, passando do real ao
lúdico, na mais linda coreografia dos sentimentos, expressando toda timidez dos
sonhos mais secretos. A imaginação mais atrevida ainda trouxe você para
acompanhar-me nessa dança. Sinto-me girar no ar, deslizando em movimentos
combinados com os seus, juntos delineamos imagens que só o sonho pode ver e
colorir, deixando esse momento ainda mais envolvente com a música que ainda ouço.
Discretamente, o sol insiste em invadir
meus devaneios e trazer a realidade átona. Aperto os olhos para continuar nesse
delírio, porém percebo que o silêncio foi rompido por outros sons, da poluição
sonora do cotidiano e a harpa silenciou as cordas, possivelmente até a próxima
madrugada.